por Márcio Sette Fortes (*)
Liquidez, instabilidade e novas soluções de pagamentos
A substituição do dólar como moeda de reserva não é um tema propriamente novo, mas, pela primeira vez, assume contornos de possibilidade, desde a proposta realizada na reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), em 1979. Para que o tema voltasse com mais força à pauta, foi preciso que a atual crise econômica mundial tivesse emergido nas hipotecas e no centro financeiro norte-americano. A crise de liquidez ensejou a discussão por novas soluções de pagamentos.
Para os mais céticos, defensores da atual moeda de referência, entretanto, não é a credibilidade do dólar que se encontra em xeque, mas a robustez da economia norte-americana, assolada pelo binômio desemprego e redução da demanda. Não foi o dólar que fracassou, originando a crise, mas a dificuldade, no entanto, reside no fato de se dissociar uma coisa da outra. Os temores não são infundados, visto que, teoricamente, um colapso repentino do dólar, com uma desvalorização sem precedentes, poderia ser o final de uma história alicerçada em um déficit público de 14% do PIB e em uma enorme dívida governamental. Uma possível fuga de ativos norte-americanos e uma desvalorização consequente trariam enorme prejuízo àqueles que investem nos Estados Unidos. Significa que muitos teriam a perder, incluindo aí os países que hoje defendem a substituição preventiva do dólar, e é justamente por isso que a defendem. Não bastasse o cenário sombrio aqui descrito, o emissionismo sem lastro efetuado pelo Federal Reserve gera ainda mais incerteza sobre os destinos do dólar. Tal emissionismo tem gerado, também, dificuldades na rolagem da dívida por parte do Tesouro norte-americano, que está tendo de encurtar, cada vez mais, o prazo de sua dívida, em um claro sinal de desconfiança por parte do mercado. A recente desvalorização perante outras moedas é fator de questionamento. A redução das reservas, principalmente dos emergentes, que queimaram volumes consideráveis para ativar suas economias durante a crise, preocupa a todos. Preocupa ainda mais quando se sabe que, segundo dados do FMI, cerca de 60% das reservas mundiais estão em dólares. Acordos de swap têm sido costurados para estimular o comércio, diante de tais perdas de reservas em dólares. São exemplos os acordos bilaterais entre a China e a Argentina, a Coreia do Sul, a Malásia e a Indonésia, e entre o Brasil e a Argentina.
Se, por um lado, a fragilidade monetária de curto prazo é um sinal de alerta a ser considerado pelos países, por outro, a economia dos Estados Unidos não está morrendo de inanição. Vive dias difíceis, é verdade, mas sua capacidade de reconstrução é, ainda, muito forte. A despeito dos erros cometidos no que se refere à regulação dos mercados e ao cálculo dos riscos, trata-se, ainda, do maior mercado financeiro do mundo e da economia onde há mais inovações tecnológicas do que qualquer outra, o que faz com que para lá fluam enormes volumes monetários. Talvez, a impossibilidade de os Estados Unidos serem superados resida não somente na competitividade de sua economia, mas também na incapacidade de outros países de substituí-los no curto prazo. Talvez, por isso, fale-se numa eventual cesta de moedas, em vez de uma única moeda a substituir o dólar.
Quando se fala em outra potência capaz, voltam-se os olhos para a China, que na última década vem vivendo seu milagre econômico. A China possui cerca de US$ 2 trilhões em reservas internacionais, e a causa de seu temor reside no fato de que boa parte delas encontra-se aplicada em títulos do Tesouro norte-americano. Para minimizar o risco, precisa diversificar a composição de suas reservas. Enquanto isso não ocorre, a China financia os gastos dos Estados Unidos. O temor, entretanto, não é só da China, mas do mundo como um todo, considerado o elevado percentual de reservas em dólar. Para precaver-se de eventuais desvalorizações do dólar, a China, bem como a Rússia - membros do BRIC - sugeriram que os Direitos Especiais de Saque (DES) ou SDR (em inglês), do FMI, por meio de um sistema de compensações com moedas, possam ser aceitos como meio de pagamento nas operações de comércio exterior. Para que os SDR atendam às características exigidas para uma possível moeda de reserva, a reforma do FMI deve estar em andamento. Novas emissões de SDR foram sugeridas após a reunião do G-20, em Londres, quando foi anunciada a injeção de capital no FMI da ordem de US$ 700 bilhões. Boa parte desses recursos serviria para lastrear aquelas emissões. O SDR, hoje, pode ser entendido como um ativo, cuja taxa é determinada por uma cesta de moedas que inclui dólar, euro, libra e iene, mas que não conta nem com o yuan, nem com o rublo. Da cesta atual, o dólar é a moeda com maior participação: 44%. Uma nova cesta, mais representativa, mas com moedas fortes de países emergentes, serviria para minimizar o risco de oscilações abruptas. É o que se espera para novembro de 2010, quando a cesta será revista. Nesse contexto, os países em desenvolvimento devem ocupar o lugar de destaque correspondente ao seu peso econômico no cenário mundial. Convém lembrar que a atual crise surgiu nos países centrais, e que a esperança da retomada do crescimento está depositada justamente nos países emergentes.
"Se, por um lado, a fragilidade monetária de curto prazo é um sinal de alerta a ser considerado pelos países, por outro, a economia dos Estados Unidos não está morrendo de inanição. Vive dias difíceis, é verdade, mas sua capacidade de reconstrução é, ainda, muito forte."
Abrir mão do dólar para as transações comerciais tem sido ideia que vem permeando os mais recentes fóruns e encontros multilaterais de âmbito financeiro que envolvem países emergentes. O tema, sugerido recentemente, em Londres, na reunião do G-20, não progrediu. A preocupação maior passou pela regulação dos mercados, pela cooperação internacional, pela transparência e pela reforma do FMI. Novamente, em ocasião posterior, na reunião dos BRICs, em junho de 2009, o assunto veio à tona. A pouca importância conferida a ele ao término da reunião, no entanto, traz duas explicações convincentes. A primeira é que sua ausência na declaração final evitou uma queda no valor dos títulos do Tesouro norte-americano, impedindo, com isso, que os BRICs perdessem reservas. A segunda especula que o assunto tenha sido levantado agora para ser usado como moeda de troca na próxima reunião do G-20, afinal, nela também estarão presentes os membros do G-7, incluindo os Estados Unidos. A estratégia seria fazer uso do tema - alternativas ao dólar - como instrumento de barganha em discussões que envolveriam um maior peso dos países que compõem o BRIC nos organismos financeiros multilaterais, mais propriamente no FMI. Convém, agora, aguardar a próxima reunião dos BRICs, a realizar-se no Brasil, em 2010, para conferir se as diretrizes monetárias do grupo serão mais fortemente defendidas em âmbito mundial.
No âmbito regional, com a crise econômica, o cenário tornou-se mais adverso para o Brasil. O crescente protecionismo na América Latina e a falta de liquidez passaram a dificultar a obtenção de resultados mais expressivos por parte do comércio exterior brasileiro, ensejando medidas de estímulo ao comércio bilateral. Enquanto determinados setores exportadores do Brasil perderam espaço relativo no mercado argentino, por conta de restrições variadas e de licenciamentos que deveriam ser automáticos, a China ganhou espaço, ao tecer com a Argentina, em abril de 2009, um acordo de swap cambial no valor de US$ 10 bilhões, equivalente a 70 bilhões de yuans. O swap, ou troca de moedas, veio para permitir que a Argentina continue a importar bens da China, pagando em yuans. Diante do cenário descrito, o Brasil, por meio do Banco Central, atuou com desenvoltura, trabalhando para a internacionalização do real. Paralelamente ao início da crise mundial, o Banco Central do Brasil mostrou-se na vanguarda do processo de ampliação de liquidez em moeda local, ao operacionalizar com o Banco Central da Argentina, a partir de outubro de 2008, o Sistema de Moedas Locais (SML). O mecanismo de pagamento, facilitador do comércio entre os dois países, é muito bem-vindo, no momento em que o Brasil vem enfrentando dificuldades de acesso àquele mercado e tem ameaçado recorrer junto à Organização Mundial do Comércio (OMC). O SML vem participando de forma crescente nas trocas bilaterais entre os dois países, ainda que inicialmente contemple os pequenos importadores e exportadores. O sistema permite aos agentes pagarem suas transações comerciais de bens em moeda local. Isto significa dizer que, feita essa opção, a operação de câmbio entre importador/exportador desaparece, dando lugar a reais e pesos. Basta o importador pagar em moeda local ao banco habilitado para a operação, observar a taxa de câmbio e aguardar a compensação efetuada, parte a parte, pelo Banco Central de cada país, o que completará o pagamento, em moeda local, ao exportador. Os resultados têm sido satisfatórios, visto que mais da metade das empresas que usaram o sistema voltaram a fazê-lo, sendo que a maior parte das operações corresponde a exportações brasileiras. Nada mais natural quando se considera a eliminação do risco cambial. A ideia, de início, esbarrou apenas na questão costumeira. Comerciar usando dólares tem sido a prática corrente, e dar início a uma nova prática significou uma quebra de paradigma. A despeito da desconfiança inicial, o Banco Central do Brasil demonstrou, por meio do sucesso na operação, que a prática tornou-se uma realidade possível. O que se espera, agora, é que novos países sejam contemplados com os benefícios do SML, como a Índia, por exemplo, país com o qual as negociações estão a iniciar-se. Espera-se, igualmente, que o SML possa abranger novas operações, além daquelas de comércio de bens.
"Paralelamente ao início da crise mundial, o Banco Central do Brasil mostrou-se na vanguarda do processo de ampliação de liquidez em moeda local, ao operacionalizar com o Banco Central da Argentina, a partir de outubro de 2008, o Sistema de Moedas Locais (SML)."
Diante da necessidade de recomposição do comércio com a Argentina, além do SML - criado em 2008 -, duas estratégias, envolvendo o Banco Central do Brasil, foram adotadas em 2009. A primeira delas envolveu a ampliação de mecanismo já existente: o aumento para US$ 1,5 bilhão de operações garantidas pelo Convênio de Crédito Recíproco (CCR). Trata-se de mecanismo disciplinado internamente pelo Banco Central do Brasil, criado no âmbito da Aladi, durante a escassez de divisas na "década perdida" (anos 1980). A outra estratégia envolveu a implementação de novo mecanismo: o swap de moedas. Na operação de swap realizada pelo Banco Central do Brasil e sua contraparte argentina, o Brasil reforçou as reservas internacionais daquele país, em reais, equivalentes a US$ 1,5 bilhão. Tais recursos deverão equilibrar as oscilações do peso perante o dólar, bem como financiar o comércio bilateral. O swap permite aos países trocar suas moedas e facilitar o pagamento de obrigações, sem afetar o volume de suas reservas. O mecanismo deverá ser ampliado a outros países, destacando-se as adiantadas negociações com o Uruguai. A estratégia parece apontar para o real como uma futura moeda regional de referência.
Talvez a substituição do dólar em escala mundial não seja um tema para o curtíssimo prazo, mas é inegável que a ideia ganha força a cada dia. A dificuldade maior reside provavelmente em conferir credibilidade àquilo que é novo. Adotar uma nova moeda, ou cesta, é confiar plenamente na eficácia de suas atribuições. Não basta a pujança econômica de um país ou grupo de países. A credibilidade é que produz a moeda. Enquanto isso, o Banco Central do Brasil vai cumprindo com sucesso sua tarefa.
*Economista, conselheiro da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), diretor da Federação das Câmaras de Comércio Exterior e diretor da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China
Fonte: Revista Banco Central
Liquidez, instabilidade e novas soluções de pagamentos
A substituição do dólar como moeda de reserva não é um tema propriamente novo, mas, pela primeira vez, assume contornos de possibilidade, desde a proposta realizada na reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), em 1979. Para que o tema voltasse com mais força à pauta, foi preciso que a atual crise econômica mundial tivesse emergido nas hipotecas e no centro financeiro norte-americano. A crise de liquidez ensejou a discussão por novas soluções de pagamentos.
Para os mais céticos, defensores da atual moeda de referência, entretanto, não é a credibilidade do dólar que se encontra em xeque, mas a robustez da economia norte-americana, assolada pelo binômio desemprego e redução da demanda. Não foi o dólar que fracassou, originando a crise, mas a dificuldade, no entanto, reside no fato de se dissociar uma coisa da outra. Os temores não são infundados, visto que, teoricamente, um colapso repentino do dólar, com uma desvalorização sem precedentes, poderia ser o final de uma história alicerçada em um déficit público de 14% do PIB e em uma enorme dívida governamental. Uma possível fuga de ativos norte-americanos e uma desvalorização consequente trariam enorme prejuízo àqueles que investem nos Estados Unidos. Significa que muitos teriam a perder, incluindo aí os países que hoje defendem a substituição preventiva do dólar, e é justamente por isso que a defendem. Não bastasse o cenário sombrio aqui descrito, o emissionismo sem lastro efetuado pelo Federal Reserve gera ainda mais incerteza sobre os destinos do dólar. Tal emissionismo tem gerado, também, dificuldades na rolagem da dívida por parte do Tesouro norte-americano, que está tendo de encurtar, cada vez mais, o prazo de sua dívida, em um claro sinal de desconfiança por parte do mercado. A recente desvalorização perante outras moedas é fator de questionamento. A redução das reservas, principalmente dos emergentes, que queimaram volumes consideráveis para ativar suas economias durante a crise, preocupa a todos. Preocupa ainda mais quando se sabe que, segundo dados do FMI, cerca de 60% das reservas mundiais estão em dólares. Acordos de swap têm sido costurados para estimular o comércio, diante de tais perdas de reservas em dólares. São exemplos os acordos bilaterais entre a China e a Argentina, a Coreia do Sul, a Malásia e a Indonésia, e entre o Brasil e a Argentina.
Se, por um lado, a fragilidade monetária de curto prazo é um sinal de alerta a ser considerado pelos países, por outro, a economia dos Estados Unidos não está morrendo de inanição. Vive dias difíceis, é verdade, mas sua capacidade de reconstrução é, ainda, muito forte. A despeito dos erros cometidos no que se refere à regulação dos mercados e ao cálculo dos riscos, trata-se, ainda, do maior mercado financeiro do mundo e da economia onde há mais inovações tecnológicas do que qualquer outra, o que faz com que para lá fluam enormes volumes monetários. Talvez, a impossibilidade de os Estados Unidos serem superados resida não somente na competitividade de sua economia, mas também na incapacidade de outros países de substituí-los no curto prazo. Talvez, por isso, fale-se numa eventual cesta de moedas, em vez de uma única moeda a substituir o dólar.
Quando se fala em outra potência capaz, voltam-se os olhos para a China, que na última década vem vivendo seu milagre econômico. A China possui cerca de US$ 2 trilhões em reservas internacionais, e a causa de seu temor reside no fato de que boa parte delas encontra-se aplicada em títulos do Tesouro norte-americano. Para minimizar o risco, precisa diversificar a composição de suas reservas. Enquanto isso não ocorre, a China financia os gastos dos Estados Unidos. O temor, entretanto, não é só da China, mas do mundo como um todo, considerado o elevado percentual de reservas em dólar. Para precaver-se de eventuais desvalorizações do dólar, a China, bem como a Rússia - membros do BRIC - sugeriram que os Direitos Especiais de Saque (DES) ou SDR (em inglês), do FMI, por meio de um sistema de compensações com moedas, possam ser aceitos como meio de pagamento nas operações de comércio exterior. Para que os SDR atendam às características exigidas para uma possível moeda de reserva, a reforma do FMI deve estar em andamento. Novas emissões de SDR foram sugeridas após a reunião do G-20, em Londres, quando foi anunciada a injeção de capital no FMI da ordem de US$ 700 bilhões. Boa parte desses recursos serviria para lastrear aquelas emissões. O SDR, hoje, pode ser entendido como um ativo, cuja taxa é determinada por uma cesta de moedas que inclui dólar, euro, libra e iene, mas que não conta nem com o yuan, nem com o rublo. Da cesta atual, o dólar é a moeda com maior participação: 44%. Uma nova cesta, mais representativa, mas com moedas fortes de países emergentes, serviria para minimizar o risco de oscilações abruptas. É o que se espera para novembro de 2010, quando a cesta será revista. Nesse contexto, os países em desenvolvimento devem ocupar o lugar de destaque correspondente ao seu peso econômico no cenário mundial. Convém lembrar que a atual crise surgiu nos países centrais, e que a esperança da retomada do crescimento está depositada justamente nos países emergentes.
"Se, por um lado, a fragilidade monetária de curto prazo é um sinal de alerta a ser considerado pelos países, por outro, a economia dos Estados Unidos não está morrendo de inanição. Vive dias difíceis, é verdade, mas sua capacidade de reconstrução é, ainda, muito forte."
Abrir mão do dólar para as transações comerciais tem sido ideia que vem permeando os mais recentes fóruns e encontros multilaterais de âmbito financeiro que envolvem países emergentes. O tema, sugerido recentemente, em Londres, na reunião do G-20, não progrediu. A preocupação maior passou pela regulação dos mercados, pela cooperação internacional, pela transparência e pela reforma do FMI. Novamente, em ocasião posterior, na reunião dos BRICs, em junho de 2009, o assunto veio à tona. A pouca importância conferida a ele ao término da reunião, no entanto, traz duas explicações convincentes. A primeira é que sua ausência na declaração final evitou uma queda no valor dos títulos do Tesouro norte-americano, impedindo, com isso, que os BRICs perdessem reservas. A segunda especula que o assunto tenha sido levantado agora para ser usado como moeda de troca na próxima reunião do G-20, afinal, nela também estarão presentes os membros do G-7, incluindo os Estados Unidos. A estratégia seria fazer uso do tema - alternativas ao dólar - como instrumento de barganha em discussões que envolveriam um maior peso dos países que compõem o BRIC nos organismos financeiros multilaterais, mais propriamente no FMI. Convém, agora, aguardar a próxima reunião dos BRICs, a realizar-se no Brasil, em 2010, para conferir se as diretrizes monetárias do grupo serão mais fortemente defendidas em âmbito mundial.
No âmbito regional, com a crise econômica, o cenário tornou-se mais adverso para o Brasil. O crescente protecionismo na América Latina e a falta de liquidez passaram a dificultar a obtenção de resultados mais expressivos por parte do comércio exterior brasileiro, ensejando medidas de estímulo ao comércio bilateral. Enquanto determinados setores exportadores do Brasil perderam espaço relativo no mercado argentino, por conta de restrições variadas e de licenciamentos que deveriam ser automáticos, a China ganhou espaço, ao tecer com a Argentina, em abril de 2009, um acordo de swap cambial no valor de US$ 10 bilhões, equivalente a 70 bilhões de yuans. O swap, ou troca de moedas, veio para permitir que a Argentina continue a importar bens da China, pagando em yuans. Diante do cenário descrito, o Brasil, por meio do Banco Central, atuou com desenvoltura, trabalhando para a internacionalização do real. Paralelamente ao início da crise mundial, o Banco Central do Brasil mostrou-se na vanguarda do processo de ampliação de liquidez em moeda local, ao operacionalizar com o Banco Central da Argentina, a partir de outubro de 2008, o Sistema de Moedas Locais (SML). O mecanismo de pagamento, facilitador do comércio entre os dois países, é muito bem-vindo, no momento em que o Brasil vem enfrentando dificuldades de acesso àquele mercado e tem ameaçado recorrer junto à Organização Mundial do Comércio (OMC). O SML vem participando de forma crescente nas trocas bilaterais entre os dois países, ainda que inicialmente contemple os pequenos importadores e exportadores. O sistema permite aos agentes pagarem suas transações comerciais de bens em moeda local. Isto significa dizer que, feita essa opção, a operação de câmbio entre importador/exportador desaparece, dando lugar a reais e pesos. Basta o importador pagar em moeda local ao banco habilitado para a operação, observar a taxa de câmbio e aguardar a compensação efetuada, parte a parte, pelo Banco Central de cada país, o que completará o pagamento, em moeda local, ao exportador. Os resultados têm sido satisfatórios, visto que mais da metade das empresas que usaram o sistema voltaram a fazê-lo, sendo que a maior parte das operações corresponde a exportações brasileiras. Nada mais natural quando se considera a eliminação do risco cambial. A ideia, de início, esbarrou apenas na questão costumeira. Comerciar usando dólares tem sido a prática corrente, e dar início a uma nova prática significou uma quebra de paradigma. A despeito da desconfiança inicial, o Banco Central do Brasil demonstrou, por meio do sucesso na operação, que a prática tornou-se uma realidade possível. O que se espera, agora, é que novos países sejam contemplados com os benefícios do SML, como a Índia, por exemplo, país com o qual as negociações estão a iniciar-se. Espera-se, igualmente, que o SML possa abranger novas operações, além daquelas de comércio de bens.
"Paralelamente ao início da crise mundial, o Banco Central do Brasil mostrou-se na vanguarda do processo de ampliação de liquidez em moeda local, ao operacionalizar com o Banco Central da Argentina, a partir de outubro de 2008, o Sistema de Moedas Locais (SML)."
Diante da necessidade de recomposição do comércio com a Argentina, além do SML - criado em 2008 -, duas estratégias, envolvendo o Banco Central do Brasil, foram adotadas em 2009. A primeira delas envolveu a ampliação de mecanismo já existente: o aumento para US$ 1,5 bilhão de operações garantidas pelo Convênio de Crédito Recíproco (CCR). Trata-se de mecanismo disciplinado internamente pelo Banco Central do Brasil, criado no âmbito da Aladi, durante a escassez de divisas na "década perdida" (anos 1980). A outra estratégia envolveu a implementação de novo mecanismo: o swap de moedas. Na operação de swap realizada pelo Banco Central do Brasil e sua contraparte argentina, o Brasil reforçou as reservas internacionais daquele país, em reais, equivalentes a US$ 1,5 bilhão. Tais recursos deverão equilibrar as oscilações do peso perante o dólar, bem como financiar o comércio bilateral. O swap permite aos países trocar suas moedas e facilitar o pagamento de obrigações, sem afetar o volume de suas reservas. O mecanismo deverá ser ampliado a outros países, destacando-se as adiantadas negociações com o Uruguai. A estratégia parece apontar para o real como uma futura moeda regional de referência.
Talvez a substituição do dólar em escala mundial não seja um tema para o curtíssimo prazo, mas é inegável que a ideia ganha força a cada dia. A dificuldade maior reside provavelmente em conferir credibilidade àquilo que é novo. Adotar uma nova moeda, ou cesta, é confiar plenamente na eficácia de suas atribuições. Não basta a pujança econômica de um país ou grupo de países. A credibilidade é que produz a moeda. Enquanto isso, o Banco Central do Brasil vai cumprindo com sucesso sua tarefa.
*Economista, conselheiro da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), diretor da Federação das Câmaras de Comércio Exterior e diretor da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China
Fonte: Revista Banco Central
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